A morte anunciada do líder camponês Adelino Ramos, o Dinho, mereceu ampla cobertura nos meios de comunicação, incluindo veículos das Organizações Globo. Todavia, nossa mídia de referência, controlada por uma meia dúzia de famílias abastadas, não se dignou a informar que Dinho, sobrevivente do massacre de Corumbiara, era um destacado militante do PCdoB em Rondônia, conforme noticiou este Vermelho, e dirigente da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB).
Por Umberto Martins
É possível imaginar que a militância comunista do líder assassinado no dia 27 de maio em Vista Alegre do Abunã (distrito de Porto Velho, capital de Rondônia) é um detalhe menor que, de resto, não deve ser associado ao crime. Não faltarão vozes para sustentar este tipo de argumento irrigado pelo cinismo.
Filtro ideológico
Na realidade, a omissão, o silêncio, a discriminação do que é ou não noticiável, que no caso configuram uma manipulação sutil dos fatos, são orientados pela força maior da ideologia dominante que, como dizia Karl Marx, reflete os interesses e o pensamento da classe dominante. Os fatos relatados são submetidos previamente ao filtro ideológico, que não raro já está devidamente entranhado no consciente ou inconsciente dos jornalistas como um reflexo condicionado e uma esperança de estabilidade no emprego.
Não é de hoje que o anticomunismo é uma característica básica e essencial do pensamento e do espírito dominante em nossa sociedade. Não vai tão longe o tempo em que se dizia que, a exemplo dos prelados, o prazer de comunista era comer criancinhas. Os acontecimentos que sucederam a derrocada do socialismo real no leste europeu e a deplorável dissolução da União Soviética no início dos anos 1990 contribuíram para exacerbar sentimentos, infâmias e preconceitos do gênero, vendidos em embalagens supostamente democráticas e a pretexto da defesa dos direitos humanos. O que se viu desde então não foi o fim da história, muito menos das ideologias.
Anticomunismo atávico
Nesses dias, ao noticiar o apagão na história no Senado (exclusão das referências ao impeachment do hoje senador Fernando Collor do painel de imagem da Casa) a Rede Globo faz questão de “informar” que se trata de uma operação típica de regimes comunistas, olvidando naturalmente o papel da família Marinho na campanha e eleição do ex-presidente.
Outro exemplo é a manipulação e distorção recorrente de fatos na abordagem do relatório do novo Código Florestal para apresentar o deputado Aldo Rebelo e o PCdoB a serviço dos grandes proprietários rurais. A história dos comunistas brasileiros, incluindo a Guerrilha do Araguaia, é a da luta sem tréguas contra o latifúndio, pela reforma agrária, pela democracia e pelos direitos do povo. Foram a prática e os ideais comunistas, antagônicos aos da classe dominante, que atraíram para as fileiras do partido o militante Dinho.
Propriedade capitalista
Não devemos estranhar o comportamento da mídia venal. Assim como os lucros da produção capitalista servem aos desígnios da classe capitalista, a produção e difusão da informação jornalística no capitalismo se subordinam aos interesses dos capitalistas que controlam os meios de produção da informação. Ou de quem detém a propriedade privada do capital em sua clássica divisão: o capital constante, composta dos meios físicos, a tecnologia, equipamentos, edificações; e o capital variável, ou seja, força de trabalho, principalmente jornalistas.
As relações entre patrões e assalariados no ramo das comunicações são singulares. Aparentemente não guardam muito parentesco com aquelas que se verificam na indústria, na agricultura ou no comércio. A fronteira entre uma classe e outra, neste caso, é tênue. Salvo honrosas exceções, que confirmam a regra geral, os jornalistas costumam vestir a camisa da empresa e, adicionalmente, empenhar a própria consciência. Alguns são ainda mais realistas que o rei.
PIG
Evidentemente, a realidade é obscurecida pela ideologia e pelo engodo. É forçoso reconhecer que a mídia venal é diplomada na arte de aparentar as virtudes do bom jornalismo que a academia enaltece: objetividade, imparcialidade, honestidade, apartidarismo, respeito aos fatos.
Muitos jornalistas acreditam sinceramente em tais princípios e procuram aplicá-los, mas é falso supor que os patrões da mídia zelam por tudo isto. A história sugere e revela o contrário. O aplauso ao golpe e o servilismo diante do regime militar instalado em 1964, o posicionamento nas eleições presidenciais (1989, 2002, 2006 e 2010) e inúmeros episódios cotidianos mostram o caráter antidemocrático, reacionário e golpista da nossa mídia, que bem merece a alcunha de Partido da Imprensa Golpista (PIG), criada pelo jornalista Paulo Henrique Amorim.
Editorial.
30 de Maio de 2011 - 16h45
Mais uma vez o sangue de trabalhadores e comunistas encharca o solo brasileiro. Na semana passada, a rotina macabra e inaceitável se repetiu, levando as vidas dos extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, em Nova Ipixuna, no Pará, (onde também foi morto o agricultor Eremilton Pereira dos Santos, provavelmente por ter testemunhado a execução do casal) e do líder camponês Adelino Ramos (“Dinho”), em Rondônia.
Eram mortes anunciadas. Eles haviam exaustivamente denunciado as ameaças que recebiam de latifundiários e madeireiros ilegais, que ficaram registradas pelo menos desde 2009 nos relatórios anuais em que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) denuncia a violência contra os trabalhadores rurais; o próprio ouvidor agrário nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho, reconheceu que desde aquele ano as autoridades sabiam que o nome de Dinho fazia parte de uma lista de marcados para morrer.
Adelino Ramos era um sobrevivente no sentido literal da palavra – esteve entre as vítimas do massacre de Corumbiara (Rondônia), em 1995, quando treze trabalhadores rurais foram assassinados. Ele conseguiu escapar e aumentou seu protagonismo à frente da luta, sendo um dos fundadores do Movimento Camponês Corumbiara, que une trabalhadores rurais sem terra naquele estado; aproximou-se depois do PCdoB, fazendo parte da direção comunista em Rondônia; em 2007 foi um dos fundadores da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, e membro de sua direção estadual.
A luta de Dinho, José Cláudio e Maria era contra o latifúndio e em defesa da mata. Queriam a reforma agrária em benefício dos pequenos agricultores e contra a grande exploração latifundiária da terra. Eram vigilantes implacáveis e incansáveis contra o desmatamento irregular e criminoso promovido pela ganância que leva grandes empresários a extrair ilegalmente madeira da mata e vendê-la a peso de ouro no Brasil e no exterior. Foram mortos por isso. Só em Rondônia, segundo cálculos de Dinho, são retirados ilegalmente 30 mil metros cúbicos de madeira e 20 mil cabeças de gado ilegalmente todo mês. Quase do outro lado da Amazônia, José Cláudio e Maria resistiam contra a retirada ilegal de madeira na vizinhança da comunidade de Maçaranduba (sul do Pará), onde existem 300 famílias assentadas.
Eram lutadores. “Defendo a floresta em pé e seus habitantes” e por isso “sou ameaçado de morte pelos empresários da madeira, que querem derrubar tudo”, denunciou José Cláudio em 2010. “O objetivo do Movimento Camponês Corumbiara é agir contra as ilegalidades no campo e nossa luta é justa e pacífica, em busca da dignidade do trabalhador rural. Essa é a metodologia do nosso movimento”, Dinho explicou numa ocasião.
As autoridades de todos os níveis (federal, estadual e municipal) inquietam-se e garantem todo o empenho pelo fim da violência e pela punição dos criminosos. Mas é preciso mais – é preciso transformar as palavras em realidade e rasgar o véu que acoberta o desrespeito à lei, à dignidade e à vida.
Entra ano sai ano, a impunidade tem sido a regra. Somente no Pará, onde a violência contra os trabalhadores rurais tem sido mais aguda (dos 34 assassinatos de 2010, 18 foram cometidos lá), há um passivo judicial que acoberta crimes e criminosos: em 40 anos, segundo a COT, foram cometidos mais de 800 assassinatos de trabalhadores rurais no Pará. Apenas 18 (pouco mais de 2% do total) foram a julgamento; somente oito foram condenados e, destes, um único cumpre a pena – um em 800!
Este é o retrato da impunidade que exige um basta e impõe a punição de empresários criminosos que roubam terras, madeira e vidas.
Em homenagem a José Cláudio, Maria, Dinho e Eremilton, é preciso proclamar: a luta continua! E ela só vai terminar com a conquista da reforma agrária, da democracia e da justiça no campo.